Consciência Negra - O Menino Marrom
O Menino Marrom
Ziraldo
Ziraldo
Foi uma tarde, os dois brincavam com suas cores, quando o menino marrom misturou todas as tintas que tinha na caixinha de aquarela, todas as cores do arco íris,
E aí, sabe o resultado que deu?
A mistura das cores todas criou um marrom. Um marrom forte como o do chocolate puro.
O menino marrom olhou para aquela cor que ele tinha inventado e falou: ‘Olha aí. É a minha cor!”
Os olhinhos do menino cor-de-rosa brilharam como eles brilharam diante de suas descobertas. E ele disse: “sua cor é a soma de todas as cores!”
O menino marrom ficou todo feliz. Criou sua cor e achou que era bom.
Justo no dia seguinte, na escola, a tia levou toda a turma para o laboratório do colégio para dar algumas explicações sobre cores, Quando os dois souberam que o assumo era cor, ficaram muito excitados. E que eles iam revelar aos coleguinhas sua grande descoberta.
“Eu chego e conto ? “Perguntou o menino cor-de-rosa.
“Não” disse o menino marrom. “deixa a professora falar primeiro, depois nós damos o nosso show”.
A professora resolveu mostrar para eles o Disco de Newton.
Todo mundo conhece o disco de Newton, não é verdade?
Todo mundo já foi ao laboratório da escola, certo? [...]
O Disco de Newton é o seguinte: um pequeno circulo de metal, plano como um disco comum, dividido em raios (como uma roda de bicicleta). São sete espaços entre os raios, cada espaço com uma das cores do arco-íris. O disco gira em pé, como uma pequena roda-gigante, tocado por uma manivela. Você toca a manivela bem depressa, o disco vai girando e aí, o que é que acontece com as sete cores ? O quê?
Isto é o que os meninos iam descobrir naquela manhã, na escola.
A professora mostrou o disco para eles [...] e perguntou: “Se eu misturar todas essas cores, o que é que elas viram ?“
O menino gritou, rápido: “Viram marrom!” E olhou orgulhoso para os outros. Só que ele esperava aplausos e levou foi o maior susto.
A professora disse: “Não.” E continuou “Vejam: eu vou rodar este disco bem depressa e vou misturar todas as cores nesta rodada’.
Prestem atençao, fiquem de olho no disco
E todos prestaram atençao. O disco fom girando, girando, e, de repente, ficou todo branco. E a professora explicou: “Viram? O branco não é uma cor. O branco é a soma de todas as cores em movimento.
“Com esta não contava” falou o menino marrom.
“Nem eu” falou o menino cor-de-rosa.
Os dois voltaram para casa calados, com a cabecinha fervendo.
A coisa tinha ficado desse jeito: Se misturar todas as coisas e elas não girarem, elas ficam marrom.
Se misturar todas as cores — em partes iguais — e botá-las para rodar, elas viram o branco.
Estava tudo assim, quando, de repente, o menino marrom falou para o menino cor-de-rosa:
“Quer dizer que eu sou todas as cores paradas e você é todas as cores em movimento?”
O menino cor-de-rosa pensou um pouco e respondeu: “Só tem um detalhe: eu não sou branco!”
Pronto. Agora e que as coisas complicaram de vez...
E [começou] aquela discussão: o que é realmente branco na Natureza?
O tipo da pergunta de menino curioso!
E quando os dois chegaram em casa, estavam encantados com uma nova descoberta: o mundo não é dividido entre pessoas brancas e pretas.
Mesmo porque elas não existem!
O que existe - que boa descoberta! - é gente marrom, marrom-escuro, marrom-claro, avermelhada, cor-de-cobre, cor-de-mel, charuto, pardo, castanha, bege. flicts, esverdeada, creme, marfim, amarelada, ocre, café-com-leite, bronze, rosada, cor-de-rosa e todos esses nomes aproximados e compostos das cores e suas variações.
Consciência Negra - Minha Família é Colorida
MINHA FAMÍLIA É COLORIDA
Georgina Martins
Todo mundo no mundo nasceu de um pai e de uma mãe, como o Ângelo, o menino desta história. O Ângelo tem dois irmãos, o João e o Camilo, que são assim:
O Ângelo é um menino que gosta muito de pensar nas coisas da vida, e, um dia, depois de observar toda a sua família, falou:
— Mãe, o meu cabelo não “vua”, o da minha avó Marli “vua”, o seu “vua”, o do Camilo “vua” um pouco, e o do meu pai, não. Sabe por quê? Meu pai passou cola no meu cabelo e no dele também.
A mãe do Ângelo, que não estava entendendo nada daquela história de cabelo que voava e que não voava, olhou para ele e disse:
— Não é “vua” que se fala, é voa!
Antes de responder, a mãe mostrou ao Ângelo um retrato.
- Meu filho, você está vendo esta foto? É da sua bisavó, a avó do seu pai; ela já morreu. Você é muito parecido com ela, por isso é que você é bem moreno.
Então o Ângelo resolveu fazer outra pergunta:
- Mãe, a minha bisavó é bisão do Camilo também?
- Claro! Se ela é avó do seu pai, tem que ser bisavó de vocês dois.
Ai. O Ângelo, com uma cara de quem não estava entendendo nadinha, fez outra pergunta:
- Então por que a pele do Camilo também não é iguazinha à dela? Por que a pele dele á branca e a minha não é?
Nessa hora, a mãe do Ângelo percebeu que precisava explicar melhor aquela história.
- Pra você entender tudo direitinho, vou lhe contar a história da nossa família.
Há muito tempo, num lugar não muito longe daqui, o pai do pai do pai do Ângelo conheceu a mãe do pai do pai do Ângelo. Mas, naquele tempo, eles ainda não eram nem pai nem mãe de ninguém. Era apenas uma moça e um rapaz apaixonados.
Dizem que o pai do pai do pai do Ângelo se apaixonou pela cor da pele da mãe do pai do pai do Ângelo, , que era negra como a noite. Que eram pretinhos como duas jabuticabas maduras.
E, como estavam apaixonados, combinava em tudo. Então, a mãe do pai do pai do Ângelo se encantou pelos olhos do pai do pai do pai do Ângelo, que eram azuizinhos como o céu, e também pela cor de sua pele, que era branca como um copo de leite.
Eles ficaram tão apaixonados um pelo outro que resolveram se casar, porque, ai, poderiam ficar olhando para os olhos um do outro todas as horas que desejassem.
Eles ficaram juntinhos que, às vezes, não dava nem para saber quem era um, quem era o outro. Muito menos dava para ver a cor dos olhos deles: nessa hora, eles fechavam os olhos para poder sonhar.
E, quase todas às vezes em que eles ficavam juntos, os pedacinhos de um se misturavam com os pedacinho do outro. Essa mistura de pedacinhos deu origem a um monte de menininhos. Um deles é o pai do pai do Ângelo, o avô Agostinho.
O avô Agostinho foi crescendo, crescendo, crescendo e um dia, ele conheceu a avó Marli. Mas naquele tempo eles eram avós de ninguém. Eram só um casal apaixonados
O avô Agostinho diz que se apaixonou pelas tranças da avó Marli, que eram compridos, e que ele adorava ficar puxando.
E a avó Marli conta que se apaixonou pelos cabelos do avô Agostinho, que eram como os seus, todos enroladinhos. Pareciam os pelos dos carneirinhos que havia na fazenda do avô dela.
Eles ficaram tão apaixonados que também resolveram ficar bem juntinhos para sempre, pois o avô Agostinho só queria saber de ficar puxando as tranças da avó Marli, e a avó Marli só queria saber de ficar enrolando os dedos nos cachinhos do avô Agostinho.
Então, depois de puxa cabelo pra cá, enrola cabelo pra lá, o avô Agostinho e a avó Marli tiveram quatro menininhos: o pai do Ângelo e os tios do Ângelo, que, naquele tempo, não eram pai nem tios de ninguém.
Ai, o tempo foi passando. E os quatro foram crescendo, crescendo... Um dia, o mais velho conheceu uma moça e se apaixonou por ela.
Essa moça era a filha da avó Célia com o avô Edilson. O avô Edilson, que já morreu, era um cearense de olhos verdes. A avó Célia conta que o avô Edilson se apaixonou pela cara dela, que ele achava mais bonita do que a lua. E ela se apaixonou pelos olhos do avô Edilson, verdes como as ondas do mar.
A avó Célia e o avô Edilson de tanto que olharam para a cara e para os olhos um do outro, acabaram querendo se casar. Olharam-se tanto, mas tanto, que também misturaram os seus pedacinhos, e dessa mistura toda nasceu a tal moça, a que depois ficou sendo a mãe de Ângelo.
Dizem que o rapaz, aquele, o mais velho dos quatro filhos do avô Agostinho, que depois ficou sendo o pai do Ângelo, se apaixonou pelos caracóis dos cabelos da filha da avó Célia. E que a filha da avó Célia, a mãe do Ângelo, se apaixonou pelo sorriso dele, que iluminava a cara toda.
Assim como os outros, eles também decidiram morar na mesma casa. Só para poder se olhar o tempo todo. Acontece que eles não foram morar sozinhos, porque a mãe do Ângelo, antes de ser mãe do Ângelo e do Camilo, já tinha o João, que era filho dela com outro pai, e naquele tempo, não existiam nem Ângelo nem Camilo. O João era assim:
O pai do Ângelo, a mãe do Ângelo e o João foram morar na mesma casa. E entre o pai do Ângelo era um tal de sorrisos pra cá e de caracóis pra lá que eles resolveram ter mais dois filhos, o Camilo e o Ângelo. E eles eram assim:
Então, o tempo foi passando, passando, passando... e, hoje, a nossa família ficou desse jeito:
Bem. Depois que a mãe do Ângelo acabou de contar essa história, ele fez uma cara de quem estava começando a entender um bocado de coisas. Então olhou para mãe e falou:
- Mãe, então sabe por que o meu cabelo não “vua” e a minha pele é assim, dessa cor? É porque a nossa família é toda colorida, e eu acho que ela é muito bonita, igualzinha à minha caixa de lápis de cor!
Consciência Negra - A Bonequinha Preta
A B O N E Q U I N H A P R E TA
Alaide Lisboa de Oliveira
Mariazinha tem uma boneca. A boneca de Mariazinha é preta como carvão. A boneca de Mariazinha é muito bonita!
Ela tem duas trancinhas, tem a boca vermelha e os olhos bem redondos. Mariazinha gosta tanto da Bonequinha Preta! Mariazinha tem muito cuidado com a Bonequinha Preta. Mariazinha dá banho na Bonequinha Preta e faz a comidinha da Bonequinha Preta. Mariazinha costura os vestidinhos da Bonequinha Preta. A bonequinha dorme na cama de Mariazinha. Ela dorme cedinho... e acorda cedinho também.
De manhã, Mariazinha pergunta à Bonequinha Preta: “Bonequinha Preta, você gosta muito de mim?" E a Bonequinha Preta responde: “Gosto muito de você, Mariazinha.” Depois a Bonequinha Preta pergunta: “E você, Mariazinha, também gosta muito da Bonequinha Preta?" E Mariazinha responde: “Gosto muito de você, minha Bonequinha Preta."
Mariazinha hoje vai passear com a Mamãe. Mariazinha não pode levar a boneca para passear. O passeio é muito longe e a boneca é pequena. Boneca pequena não pode andar muito. Antes de sair, Mariazinha diz à boneca: “Bonequinha Preta, vou passear com a Mamãe. Fique muito quietinha em casa e não faça arte. Bonequinha Preta, não chegue à janela, senão você pode cair." A Bonequinha Preta ouve tudo e responde: “Pode ir passear sossegada, Mariazinha! Eu fico quietinha em casa e não chego à janela.”
Mariazinha sai com a Mamãe. .A Bonequinha Preta fica triste, assentada na poltrona.., na poltrona lá da sala de visitas. De repente um gatinho começa a miar... O gatinho está miando lá na calçada. O gatinho mia assim: miau! miau! A bonequinha está com muita vontade espiar o gatinho. São tão bonitinhos os gatinhos! A Bonequinha Preta diz assim: Vou à janela espiar o gatinho. Vou espiar um pouquinho. Um pouquinho só, Mariazinha não se zanga.” A bonequinha desce da poltrona. A bonequinha chega pertinho da janela! A janela é tão alta e a Bonequinha Preta é tão pequena! Mas o gatinho está miando lá fora... O gatinho está miando lá na calçada... O gatinho está miando assim: miau! miau!
E a bonequinha quer mesmo ver o gatinho. São tão bonitinhos os gatinhos! À janela é tão alta! A Bonequinha Preta é tão pequena! A bonequinha começa a pular para alcançar a janela. A bonequinha pula assim: u-pa! u-pa! A bonequinha pula cada vez mais alto: u-pa! u-pa! Mas a bonequinha não pode ver o gatinho. A janela é tão alta! A Bonequinha Preta tem uma idéia! A boné quinha bate palmas de contente! E diz: “Ah! Já sei! Vou pôr a poltrona perto na janela... e depois... subo na poltrona”
A Bonequinha Preta põe a poltrona perto da janela. Depois, sobe na poltrona... e quase alcança a janela! A bonequinha levanta-se na pontinha dos pés. Quase, quase... falta só um pouquinho! A bonequinha está contente e diz: “Se eu der um pulinho, eu vejo o gatinho” A bonequinha dá um pulo: u-pa! A bonequinha dá outro pulo mais alto: u-Pa! A bonequinha dá um pulo alto demais... e cai da janela! coitadinha! À Bonequinha Preta cai da janela! Mas a bonequinha ainda tem sorte! Vai passando na mesma hora um verdureiro, e a bonequinha cai no cesto de verduras! O cesto está cheio de alface se a bonequinha não se machuca. Mas o verdureiro leva um susto - ui! A Bonequinha Preta também leva um susto ui! E o gatinho que estava miando na calçada da rua?
O gatinho também leva um susto - ui! O verdureiro desce o cesto da cabeça. Ele quer tirar a bonequinha do cesto. Mas quando desce o leva outro susto! O gatinho da calçada dá um pulo e zás!... pega a bonequinha! O gatinho pega a bonequinha pelo vestido, e sai correndo com a bonequinha presa nos dentes! Mariazinha volta do passeio toda contente e entra em casa gritando: “Bonequinha Preta, estou com saudades de você!" Ninguém responde! Mariazinha grita mais alto: “Bonequinha Preta, estou com saudades de vocêl" Ninguém responde! Mariazinha procura a boneca pela casa inteira! Mariazinha não acha a boneca e começa a chorar. Estão batendo à porta da casa de Mariazinha. Quem será? AH o verdureiro! Mariazinha vai chorando, chorando até a porta. 0 verdureiro diz assim: “Não chore, Mariazinha! Eu vi sua boneca: ela caiu da janela; e caiu dentro do meu cesto. ' O gatinho da calçada pulou no cesto... e pegou sua bonequinha. . Pegou com os dentes e saiu correndo!
Mas eu sei onde mora o gatinho. Guarde meu cesto, Mariazinha, que eu vou buscar sua bonequinha.” O verdureiro gosta muito de Mariazinha! Ela é tão boazinha! Ô verdureiro vai correndo. O verdureiro entra numa rua, sai noutra rua, passa pelo parque, atravessa a ponte... Ih! Que gatinho que mora longe! Mas o verdureiro, até que enfim, chega perto da casa do gatinho.
O verdureiro espia um pouco: A Bonequinha Preta está bem sentada na grama. E o gatinho? O gatinho está dançando! Ele quer fazer a bonequinha rir! 0 gatinho não é mau, não. O gatinho gosta muito de bonecas.
Ele quer fazer a bonequinha rir... Mas a Bonequinha Preta não ri. Ela está com saudades de Mariazinha. O verdureiro sabe que o gatinho não é mau. O verdureiro chega mais perto e diz ao gatinho: “Gatinho, vim buscar a Bonequinha Preta; Mariazinha está em casa chorando!" O gatinho começa a miar triste miau! miau! O verdureiro então pergunta! “Você também quer ir gatinho? Quer morar na casa de Mariazinha, também? Ela é tão boazinha. O verdureiro, a Bonequinha Preta e o gatinho vêm juntos, todos três. Vêm alegres para a casa de Mariazinha. Mariazinha está esperando na porta de casa. Mariazinha fica tão contente quando eles chegam! Mariazinha não se zanga com a Bonequinha Preta.
A bonequinha promete não desobedecer mais. O gatinho também promete que será muito bonzinho! Mariazinha está tão contente! Mariazinha agradece muito ao verdureiro. O verdureiro é tão bom! Lá vai o verdureiro pela rua, gritando: Alfaces fresquinhasl... Alfaces fresquinhasl...
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